Decorreram na Praia da Rocha, durante toda a passada semana, os Campeonatos do Mundo de Windsurf Masters, nas categorias de raceboard, formula e, pela primeira vez, foil.
O evento proporcionou a oportunidade de conversar com o madeirense João Rodrigues, único atleta português com sete presenças consecutivas nos Jogos Olímpicos, iniciadas em 1992, em Barcelona. Foi o nosso porta-bandeira nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
Este madeirense de 46 anos, filho de pais açorianos, iniciou-se na prancha à vela com nove anos de idade, no Funchal, e nunca mais parou. Com 16 anos, sagrou-se campeão nacional e, a partir daí, iniciou a sua carreira internacional, fazendo parte da seleção nacional.
Em dezembro de 1995, com 24 anos, a terminar um curso de engenharia, tornou-se campeão mundial na África do Sul, na classe mistral, qualificando-se para os Jogos Olímpicos de Atlanta.
«Ainda era muito pouco conhecido nessa altura, mas na África do Sul encontrei condições muito parecidas com as que temos geralmente na Madeira, nomeadamente vento forte e ondas grandes, e acabou por acontecer. Foi um marco muito importante na minha carreira», recorda ao «barlavento».
João Rodrigues terminou a sua carreira olímpica no Rio, mas continua a competir e a arrecadar títulos. «Gostava de continuar, porque aprecio muito a filosofia associada às campanhas olímpicas, mas tudo tem um limite. Já me custou ir a Londres e só fui ao Brasil por uma questão afetiva. Mas foi o último sopro, porque já não tenho capacidade para competir àquele nível. Não é fácil sair, ao fim de 28 anos levados a pensar a vida por períodos de quatro anos. Mas teve de ser».
Questionado sobre o que torna os Jogos Olímpicos tão místicos, João Rodrigues é assertivo: «primeiro, porque só acontecem de quatro em quatro anos e, pelo menos na vela, só pode ir um atleta por país, em cada uma das classes. Só isso torna muito mais ambicioso o objetivo de lá chegar, porque somos os únicos a representar o país. Há toda uma atenção e preparação dadas a esse evento, o maior à escala desportiva mundial. Participar é extraordinário e tive o prazer de fazê-lo por sete vezes. Ainda encontro um certo romantismo associado aos Jogos Olímpicos, que possuem uma filosofia muito especial. Quando participei pela primeira vez, em Barcelona, a sensação de estar ali com os melhores dez mil atletas do planeta foi extraordinária e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. Quando entrei no estádio do Rio de Janeiro, foi como se fosse a primeira vez. Foram sete vezes a primeira vez», diz.
Ao longo de 30 anos de competição ao mais alto nível, João Rodrigues diz ter perdido a conta ao número de campeonatos da Europa e do Mundo em que participou. «E agora que pergunta, também não sei de cabeça quantos ganhei! Acho que campeonatos da Europa foram cinco e do Mundo vai agora em três. Não sempre na mesma classe, porque tenho ido mudando», sendo que competiu na Praia da Rocha, na modalidade de raceboard.
Apesar de já não ter «qualquer ambição desportiva, gosto imenso de competir, faz-me bem física e mentalmente, principalmente entre amigos de longa data. Vamos simplesmente competir entre nós e, no final, fazem-se umas contas e vê-se quem ganhou. Mas isso é o menos relevante».Na Praia da Rocha, João Rodrigues, não teve qualquer dificuldade em ganhar confortavelmente as seis regatas efetuadas, sagrando-se campeão do mundo absoluto e master na classe raceboard.
Desportista e educador
João Rodrigues está ligado à Secretaria Regional da Educação e a todos os projetos que pretendem criar uma cultura de mar na Ilha da Madeira. «Gostaríamos que todos os madeirenses pudessem conhecer a ilha do lado do mar, e as atividades náuticas podem ter um papel muito importante nesse campo. Portugal tenta, cada vez mais, criar uma economia azul. Mas, para tirar todo o partido do mar é necessário conhecê-lo e amá-lo. É preciso levar as pessoas a conhecer a experiência própria do mar. Estamos a começar pelos mais jovens e a tentar introduzir nas escolas primárias e secundárias a náutica como atividade curricular. É complexo, estamos a dar passos pequenos, mas certos, e penso que, dentro de anos, poderemos dizer que temos uma cultura de mar, pessoas que o conhecem profundamente, que o experimentaram e o respeitam, o que será benéfico para uma ilha, porque depende dele. O mar é uma escola de vida e eu tenho-me redescoberto nele, todos os dias».
Prancha à Vela é modalidade olímpica desde 1984
A Federação Internacional escolhe, dentro do universo do windsurfing, a classe que vai ser usada nos Jogos. Os fabricantes apresentam um modelo monotipo, que vai ser usado por todos os participantes. O que faz a diferença é o velejador. A primeira foi a windglider, que já não existe. De 1988 a 1992, a classe leckner foi a escolhida. De seguida, veio a Mistral. A partir de 2004 e até aos Jogos de 2020, é usada a classe RSX. Neste momento, há uma forte corrente para que, em 2024, venha a ser adotada a classe foil, muito mais rápida e de grande espetacularidade, porque os velejadores «voam» sobre a água. João Rodrigues confessou-nos ter ficado impressionado pelas grandes velocidades atingidas com pouco vento. «Tenho um foil e posso dizer que é uma realidade completamente diferente, voando sobre a água em absoluto silêncio e a uma velocidade inacreditável. É apenas uma lâmina que toca na água. Continua a ser uma prancha e uma vela, mas a sensação que temos, ao fim de meia hora, é que temos de aprender tudo de novo. Passei o Verão a andar de foil e senti-me como uma criança a aprender a fazer windsurf outra vez».