Uma jovem mãe louletana, a residir em Lisboa, conseguiu dar vida e fazer crescer uma comunidade de mulheres ciclistas, a nível nacional, que já conta com mais de 1200 participantes e que se estende às ilhas, organizando eventos locais e regionais, aos quais chamam Fuga Rosa – Women’s Cycling Portugal. Tudo começou a 8 de março de 2016, data que celebra o Dia Internacional da Mulher. Este ano, uma dúzia de fugas percorreram os 738 quilómetros da Estrada Nacional (EN)2, a mais longa de Portugal, que atravessa o país de Chaves a Faro, tendo conseguido projeção nacional e novos membros, com autarcas e vereadores a esperá-las nos seus concelhos, mesmo de madrugada.
O percurso foi projetado para durar 36 horas e, na verdade, só durou uma hora mais. Embora fosse pensado para duas atletas de cada vez, no sistema de estafeta, grande parte da comitiva feminina teve grande dificuldade em descansar dentro das viaturas em andamento, sendo o frio e a privação de sono os maiores problemas. Serviram de consolo e força a presença de várias fugas das zonas por onde passavam, as quais lhes faziam companhia.
O ponto alto aconteceu, quando entraram no Algarve, mais precisamente no Ameixial, onde as esperava um grande número de fugas algarvias para acompanhá-las até Faro, atravessando a serra.
«O sentimento de partilha foi tão sentido que, mesmo cansadas, decidimos tirar as bicicletas dos carros e fazermos todas o percurso a pedalar», confessou-nos Mónica Faísca, cansada, mas irradiando felicidade por todos os poros, que nos contou o como e o porquê deste fenómeno.
«Quando comecei a andar de bicicleta, ia com o meu marido, com amigos ou sozinha. E lembro-me que, quando me cruzava com uma mulher na estrada, ficava muito feliz de ver outra mulher a andar e o sentimento parecia mútuo. E andava sempre a perguntar-me quantas seríamos pelo país inteiro, onde estavam, como treinavam, que provas faziam, que equipamentos tinham e onde os compravam?»
Segundo Mónica Faísca, os equipamentos que encontram nas lojas especializadas estão direcionados para o segmento masculino. «Das duas uma, ou compramos roupa de homem, ou andamos com os equipamentos dos maridos ou dos filhos, o que acontece muitas vezes».
Fruto dessa curiosidade, decidiu criar a comunidade e o nome Fuga aparece, porque andar de bicicleta «é um escape que nos enche a alma e nos dá uma sensação de liberdade. Achei que Fuga é o nome que melhor representa o espírito da comunidade. O objetivo foi criar um espaço de partilha, onde todas pudéssemos aprender umas com as outras. Felizmente, é o que tem vindo a acontecer».
As fugas são embaixadoras do turismo local nas suas regiões. «Cada percurso delineado, cada fotografia que publicas, a menção do restaurante onde comes ou do hotel onde ficas, tudo isso contribui para a promoção turística» no feminino.
Por isso, embora promovam alguns eventos de âmbito nacional, as fugas motivam muito os encontros regionais. «Isto também acontece nas ilhas, porque temos grupos de mulheres a andar, nos Açores e na Madeira. E não estamos juntas fisicamente, mas temos um sentimento de pertença muito grande, porque elas são muito ativas e estamos sempre em contacto».
As redes sociais têm sido um fator determinante para o desenvolvimento e coesão da Fuga Rosa, condições que, segundo a fundadora, não tiveram as mulheres que, na última década do século XX e no início deste, criaram comunidades. «Foram as pioneiras. Dão-nos muito feedback das experiências daquela altura. E as histórias que contam, motivam-nos imenso. Por isso, também já começámos a criar a nossa história no seio da Fuga».
Embora sejam promotoras do potencial turístico do país, nunca se candidataram a quaisquer apoios oficiais que lhes permitissem levar mais além os seus eventos. Mantêm-se na base do «fazer pelo prazer de fazer» e nunca deixaram de apregoar aos sete ventos que Portugal é o melhor destino ciclista do mundo.
Soubemos que há muitas fugas algarvias, tanto em BTT, como em estrada. E que, embora haja quem faça competição, em ciclismo ou em triatlo, a maioria dos membros pratica a modalidade apenas por lazer, o número esteja a crescer e haja mulheres motivadas para lhe dar o impulso necessário. E que o grande sonho da Mónica Faísca é, um dia, trazer todas as fugas portuguesas para a estrada, num evento conjunto. Sabendo que os participantes masculinos têm como ponto alto nos seus passeios, a sandes e a mini, quisemos saber o que se passa com as senhoras.
«É lógico que o ponto alto é a bica e o pastel de nata ou o doce regional. Repõem as energias e dão-nos o momento de convívio, em que analisamos o que se passou lá atrás, naquela subida mais difícil», disse Mónica Faísca, a rir.
História do mais longo percurso nacional em bicicleta
Às seis da manhã do dia 8 de março de 2019, as 12 participantes dividiram-se em dois grupos de 6, para agilizar a logística e estarem separadas, por uma questão de segurança. Levavam como cenário seguir duas a duas, durante uma determinada distância, mas a teoria e a prática nem sempre são coincidentes, segundo reforçou disse Mónica Faísca.
«A verdade é que nos fomos ajustando às circunstâncias, pelo cansaço, pela noite e outras razões. Tivemos fases em que rodava só uma, em vez de duas, de forma a que as outras pudessem descansar; a que estivesse em melhores condições ia para a estrada e compensava a outra. Mas esse era o espírito que tínhamos definido como base desta iniciativa. Foi o espírito da fuga, da união, da entreajuda, que tivemos ao longo de todo o percurso. Necessitámos todas umas das outras e não houve hesitação, em momento algum, em rodar mais e fazer mais quilómetros para alguém descansar um pouco mais».
Uma mudança significativa no programa foi a entrada em bloco das 12 participantes, quando deveria ser apenas uma. Porquê? «Como houve a surpresa boa de termos algarvias a ir buscar-nos ao Alentejo, para fazer a travessia do Algarve connosco, nós, sem combinar, o que me deixa muito comovida, decidimos todas tirar as bicicletas dos carros e, mesmo com o cansaço acumulado pelos muitos quilómetros já percorridos, decidimos fazer o Algarve todas juntas, a pedalar, chegando a Faro já de noite, embora eu tenha perdido a noção do tempo».
Este feito «simboliza bem o Dia Internacional da Mulher, porque é uma luta contínua pela igualdade de género, neste caso, pela igualdade das mulheres no mundo do ciclismo».
Depois de provar que não há limites e de que «os sonhos podem ser realizados», estes 738 quilómetros já não chegam, e o grupo discute se repete todo o percurso de sul para norte, ou se procura outro, mais extenso e difícil, visitando mais fugas por todo o país.
Nesta comunidade já há empreendedoras a lançar as suas marcas com coleções de ciclismo feminino. Um nicho de mercado em crescimento, de mulheres para mulheres.