A intransigente defesa de serviços públicos de qualidade, gratuitos e de acesso universal é uma marca identitária da Esquerda, sendo mesmo uma das que permite distinguir as propostas políticas de Esquerda das suas antagonistas de Direita. O acesso universal e gratuito a serviços de elevada qualidade de saúde, de educação, de justiça e de segurança são indicadores da qualidade da democracia das comunidades em que estamos inseridos. Outras dimensões em que a propriedade ou o acesso público devem ser defendidos são a água, o saneamento, a recolha e o tratamento de resíduos, a energia, as redes de telecomunicações, e evidentemente o território.
A Esquerda sempre defendeu a fruição pública do espaço público e sempre se opôs à sua apropriação por privados. Escrevo esta nota a propósito da recente polémica registada na Assembleia Municipal de Faro, de 6 de março, relativa à ocupação do antigo Parque de Campismo de Faro. O referido parque perdeu o seu alvará de funcionamento há 14 anos. Desde então o espaço vem sendo ocupado por mais de uma centena de «utentes». Nos tempos do ex-autarca Macário Correia esta situação foi alvo de um contrato de comodato entre a Associação dos Utentes do Parque de Campismo de Faro e a Câmara Municipal de Faro. Este espaço público é, de facto, domínio privado da Associação dos Utentes do Parque de Campismo de Faro, e tal constitui a apropriação de um bem público. Esta é a posição do Bloco de Esquerda de Faro, sufragada em Assembleia Concelhia.
Em 2015 tomámos posição pública idêntica, em que defendemos a necessidade da existência no concelho de Faro de um Parque Municipal de Campismo, em localização mais adequada à sua função, como seria por exemplo a Mata do Ludo, ou a do Pontal. Foi esta a posição que defendi na referida reunião da Assembleia Municipal de Faro. A questão da apropriação do antigo Parque de Campismo de Faro, ilustra bem as tensões entre o uso e a fruição pública do território e a sua apropriação privada. O território e os serviços que por este são prestados, são bens públicos, e devem ser objeto de debate e regulação social. A matéria da ordenação e uso do território presta–se a exercícios diários de demagogia e populismo que importa contrariar. Tal é o caso da construção nas ilhas barreira da Culatra e da Armona e na Península do Ancão, questão em que me abstive na votação por achar que o debate público está a ser mal conduzido.
E por não haver uma posição definida do Bloco de Esquerda. Num debate sério, deve ser tida em conta a ilegitimidade do modelo de desafetação do Domínio Público na Península do Ancão, que começou na expulsão da comunidade piscatória e acabou na ocupação do espaço público por construções clandestinas de elevada volumetria, que em nada contribuem para a defesa da costa. A propositada confusão entre a comunidade dos pescadores e mariscadores e os detentores de casas de veraneio tem envenenado o debate, não contribuindo para uma solução equilibrada, e, tal como no caso do processo de desafetação da Praia de Faro, verificam-se situações em que são defendidos os interesses dos mais poderosos, em desfavor dos mais pobres. Note-se ainda a quase completa ausência, nestes e noutro debates relativos à ocupação do território costeiro, da problemática das alterações climáticas e da proteção da costa. Sendo que a única posição sustentável é a da retirada gradual da ocupação humana das zonas de risco, já que a defesa das mesmas, além de inútil, é economicamente incomportável. O território, e em particular os domínios públicos e as áreas de reserva ecológica e agrícola, são bens públicos. Têm de estar sujeitos ao mesmo nível de escrutínio que os serviços públicos. Esta não é matéria exclusiva de um ou outro grupo, mas sim assunto de toda a comunidade. Deve ser discutida por todos e todas, com identificação clara dos interesses em confronto.
Opinião de José Moreira, eleito pelo Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Faro