Nos 600 anos da descoberta do Arquipélago da Madeira, começada pela Ilha de Porto Santo em 1418 e logo depois do início da expansão marítima portuguesa com a tomada de Ceuta, três anos antes, é momento para nos fazer pensar sobre o papel que queremos salvaguardar para futuro enquanto região, sobre os esforços e contributos dos nossos antepassados para a humanidade «dando novos mundos ao mundo».
Compreendo mal que esqueçamos o que fizeram os que nos antecederam, se não pelo respeito merecido dos riscos e espírito da descoberta de então, pelo menos por mero oportunismo atual face aos conteúdos para servir a demanda turística incessante que nos procura, pois porque por orgulho próprio não será com certeza apreciando o desinteresse a que temos votado o assunto.
Figuras como o Infante de Sagres (assim designado por aqueles da cidade do Porto onde nasceu) que ao fixar(-se) no Algarve deu lugar ao lançamento da epopeia com a envergadura que só os pescadores algarvios conseguiram concretizar usando e adaptando as suas caravelas, construídas com as madeiras de Monchique, levadas até além da atual Serra Leoa e depois, por isso, ainda mais longe até ultrapassarem o Adamastor e o transformarem em Boa Esperança, mereceriam que voltássemos aos esforços para agora, ao menos, criar espaço(s) de memória, de interpretação, de divulgação para os vindouros, a partir desse(s) lugar(es), qual complexo do Cabo Canaveral no seu contributo equiparável também para as descobertas mas no espaço sideral.
Estou certo que acordaremos a lamentar o facto de Lisboa lançar (mais) um Museu, neste caso o das Descobertas, que nos competia, para lembrarmos a nossa incapacidade enquanto região por não nos termos unido em idêntico objetivo tão básico.
Nem as centenas de milhar de turistas que teimosamente procuram a fortaleza, que veio a ser atacada depois por Francis Drake, sem nada receberem em troca além da força dos elementos da natureza e o imaginário da barca, que daquele sacro promontório, levou os restos do Santo Padroeiro para Lisboa acompanhado por vigilantes corvos, justificando para tanto, um armistício entre mouros e as forças do nosso Rei Fundador.
Estamos alheados dos nossos que de Tavira a Vila Real de Santo António, de Olhão e Faro, mantiveram Gibraltar aberto à navegação com a guarnição inglesa que suportámos de víveres, em apoio sanitário e de retaguarda, com os Tânger, sem o que hoje já não seria parte do Reino Unido. Esquecemos Marrocos e a defesa do território português que sempre outros, antes de nós, daqui garantiram dos assaltos dos corsários às nossas gentes, que valeu a perda de um olho ao nosso (des)afortunado Camões. Do povoamento dos Açores. Do nosso primeiro governador nas Canárias.
Enfim, somos uns ingratos e mantemo-nos assim, apenas a ver o dia de hoje, sem valorizar o papel dos algarvios que das armas e contendas primeiro conseguiram depois lançar a primeira globalização Intercultural entre civilizações à escala planetária. Sim, os do Reino do Algarve que ainda não compreendemos bem ter existido.
Estamos em momento de discutir, planear e lançar o Programa de Investimentos Estratégicos até 2030, talvez merecêssemos olhar para as marcas que o passado nos impõe. Que não seja por orgulho seja pelo menos por oportunismo.
Quase terminar um texto com uma palavra tão feia lembra outra, desse nosso poeta maior já citado, que acaba a sua história de amor a Portugal com a expressão «Inveja», pois seria esse o sentimento dos povos que nos olhassem no futuro e percebessem para o que os algarvios contribuíram também além de os receber hoje como merecem.
Paulo Neves | Círculo Teixeira Gomes – Associação pelo Algarve