Gosto deste Papa. Como muitos, também eu creio que este é um Papa que pode abrir as janelas do Vaticano e recuperar o espírito do Concilio do Vaticano II e tornar a Igreja Católica algo mais próximo daquilo a que se chama comummente o ideal cristão.
No entanto, passados estes anos desde que foi eleito, e muito à semelhança do que fez João Paulo II no campo político, também este Papa se está a tornar cada vez mais num líder político e menos num líder religioso. João Paulo II combateu o comunismo e assumiu essa dimensão publicamente durante décadas.
O Papa Francisco fala todos os dias e opina todos os dias acerca de refugiados, do ambiente, do muro do México, etc.
A ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana) não é uma ONG nem o Papa o líder de um partido. Não me parece que essa seja a função da ICAR ou a do seu líder. Até porque, por mais simpatia que o Papa colha e que os seus reparos pareçam estar na moda e de acordo com determinados movimentos políticos, é sempre perigoso quando começamos a achar que a política e a religião podem andar de mãos dadas e que queremos que os lideres religiosos condicionem no Ocidente a política, o Estado, a Lei.
Parece-me a mim que aquilo que tantos admiram no Papa Francisco é precisamente aquilo que abominam nos zelotas do Irão ou da Arábia Saudita. Lá, nas Arábias ou na Pérsia, entendemos que a política e a religião não se devem misturar e que é fundamental para o progresso e prosperidade daqueles povos, que a Religião e a Política estejam separadas.
E no entanto, no Ocidente por estes dias, achamos normal o Papa, um líder religioso, exercer diplomacia política, opinar sobre políticas e lideres, indicar caminhos políticos, dizer o que pode e não pode em política. Devagarinho, muito devagarinho, voltamos a entregar à religião um poder político que não tinha no Ocidente desde o início do século passado.
Este processo, para mim, começou com o Papa João Paulo II, porque deu imenso jeito ao Ocidente que ele combatesse o comunismo e tivesse publicamente tomado as posições que tomou contra a União das Republicas Socialistas Soviéticas, contra o socialismo e o comunismo que grassavam na Europa e que condenavam (e noutros pontos do globo ainda condenam) milhões à fome, à ausência de liberdade e de esperança. Já quanto a ir para África dizer a milhões que morriam de SIDA que o uso do preservativo era pecado, ninguém com responsabilidades políticas por aqui achou mal.
E o problema, para mim, é mesmo esse. Dar espaço político aos líderes religiosos, sejam de que religião forem, não faz para mim sentido nenhum no Ocidente. Há povos que querem ser liderados por líderes religiosos. E por ditadores.
E se calhar os seus estados só funcionam assim. Creio que décadas de investimento ocidental fora do Ocidente a promover os valores democráticos e as liberdades, políticas, religiosas, económicas, etc., no fim de contas apenas serviram para reforçar regimes autocráticos por esse mundo fora, fragilizar o nosso tecido económico e a nossa prosperidade enquanto povo ou destruir estados que existiam e substitui-los por coisa nenhuma. Os países ficaram e os seus povos, mas os estados foram-se e com eles, a civilização. Basta olhar à Líbia ou ao Iraque para percebermos isso.
O atual Papa diz coisas simpáticas no plano político. E que nos parecem bem. A mim parecem. No entanto, estamos a abrir portas que depois vai ser difícil fechar se por um qualquer acaso aparecer amanhã um Papa menos simpático.
Para mim, no Ocidente do século XXI, não faz sentido nenhum esta mistura. Os sacerdotes que deixem a política para os políticos e os políticos que deixem a religião para os sacerdotes.
Em Mateus 22:21, por causa de uns impostos, diz o Evangelho que Jesus proferiu uma frase que creio adaptar-se a esta questão: «A César o que é de César e a Deus o que é de Deus».
Opinião de José Eduardo Sousa