«Não se importa que eu vá entrelaçando aqui esta palminha enquanto falamos para lhe mostrar os diferentes pontos, pois não?», pergunta Maria João Gomes, mal se senta para iniciarmos a nossa entrevista. As suas mãos hábeis não param durante toda a conversa e nem sequer o olhar precisa de as acompanhar para que tudo saia perfeito.
Natural de Oeiras, e filha de emigrantes da serra algarvia, só há sete anos regressou a Portugal. Antes, percorreu a Europa, África e América do Norte em trabalho até decidir fixar-se em São Brás de Alportel, onde ainda tem uma casa de família. Foi também aí que criou a sua marca de acessórios de moda «Palmas Douradas», com a qual «promove a verdadeira empreita de palma algarvia 100 por cento vegetal através de workshops, demonstrações e vendas». Das suas mãos saem chapéus, malas, clutchs, cintos, e tudo mais o que a imaginação e a criatividade alcançarem. «Não há limites e tenho imensas ideias», confidencia.
Iniciou-se na arte da empreita da palma algarvia há apenas cinco anos embora a primeira memória que tenha relacionada com o tema seja da «avó a trabalhar gorpelhas para pôr em cima do burro», usadas antigamente para carregar alimentos. Quando se iniciou na arte da empreita, muito poucos foram os que consentiram partilhar conhecimentos. A população envelhecida que ainda sabe, por aqui e ali, os segredos de entrelaçar palmas viam-na como uma estrangeira desconhecida, e preferiam guardar para si as técnicas centenárias, passadas de geração em geração. Na verdade, durante décadas, foi o segredo das técnicas que garantiu a subsistência de muitas famílias algarvias, que faziam da empreita o seu ganha-pão. «Na serra algarvia, todos os idosos são artesãos», diz. Mas com o tempo e paciência, conseguiu quebrar barreiras entre os aldeões das vilas no interior algarvio onde foi aprendendo as diversas técnicas da empreita de palma algarvia. «Hoje sei aplicar inúmeros pontos ou técnicas de empreita, e provavelmente, já sou a única que sabe tantas formas diferentes de trabalhar a palma».
Todas as folhas de palma que utiliza nos objetos que produz são recolhidas por si mesma, no campo da serra algarvia. Maria João trata de todas as partes do processo desde a apanha, à preparação das folhas. É também ela que as seleciona e racha à mão.
No início começou por pedir autorização aos donos de propriedades com pequenas palmeiras para colher as folhas que utiliza na empreita. «Ninguém se opôs. Dizem que as posso recolher pois ‘não valem nada’. Mas para mim, valem muito! Em troca, ofereço-lhes pequenos objetos como cestinhas, em forma de agrado», diz. Mais tarde, Maria João plantou 60 palmeiras num terreno de família, as quais «não precisam de muita manutenção».
«Posso garantidamente afirmar que sou das poucas artesãs que produz verdadeiramente empreita de palma algarvia! Outros importam folhas de palma de Marrocos e utilizam esse material como se fosse nosso. Ou pior! Importam empreita Marroquina e vendem-na como se fosse algarvia!», refere.
Todo este trabalho teve um verdadeiro volte-face quando foi convidada a produzir peças para a coleção do estilista português Filipe Faísca, apresentadas no desfile na Moda Lisboa, no final do ano passado. «Este evento deu muita visibilidade e credibilidade ao meu trabalho. Como se a empreita de palma algarvia deixasse de ser algo dos antigos para passar a estar na moda e ser fashion. Às vezes é preciso alguém de renome para mudar as mentalidades», afirma. «A partir daqui tive muitas solicitações e existe inclusive uma boa lista de espera para conseguir peças produzidas pelas Palmas Douradas».
«Sempre me disseram que a empreita era coisa de velho. Mas eu gosto de coisas velhas, típicas e tradicionais. No entanto, sou uma mulher moderna e quero mostrar que é possível voltar a pôr a empreita na moda», garante.
Maria João Gomes, 50 anos, produz um pouco de tudo, desde alcofas para bebés, malas, chapéus, tapetes, mandalas, não há limites para a sua arte. A peça mais acessível que produziu foi uma mala de 25 euros, mas também já confecionou alcofas por 250 euros, clutchs por 270 euros e enormes mandalas por alguns milhares de euros.
Para o futuro próximo, existem projetos com apliques de empreita de palma para calçado português e artigos para moda masculina. Até porque, afirma, «a empreita de palma algarvia não é uma coisa de mulheres. Quero que também os homens adiram». Além disto, a empresária quer criar uma associação dedicada à empreita de palma algarvia para dinamizar e democratizar ainda mais o ensino desta arte. «Quero ajudar mais pessoas a aprender esta arte, criar um espaço de partilha e potenciar, fomentar e valorizar novos talentos».
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Fotografia: Filipe da Palma.