A maioria das artes marciais, com berço em terras do oriente, são permeáveis a filosofias que defendem valores morais elevados, como o respeito pelo próximo, lealdade, coragem e honra. Na transição para o ocidente, foi, contudo, valorizada a componente técnica e a força física, passando o poder mental para segundo plano. Mas, entre os praticantes, há exceções e há quem equilibre estas dicotomias.
O «barlavento» assistiu a dois treinos dirigidos por Ângelo Fernandes, um psicólogo natural de Setúbal, de 39 anos, que se radicou em Portimão há 12. Em ambos, quer no das crianças, quer no dos adultos, o ambiente era de leveza, quase doçura, com o mestre a sussurrar de tal forma, que os movimentos tomavam um ar de dança, de coreografia.
Ângelo praticou natação e futebol na sua juventude. A entrada na universidade colocou um fim à prática contínua. Terminou o curso, veio para Portimão e teve contacto com o jiu-jitsu brasileiro «por acaso, numa visita a um cliente, em Silves. Tive curiosidade, experimentei e, embora me tenha iniciado tarde, consegui entrar em competição, porque a escola Gracie de jiu-jitsu permite que as pessoas o pratiquem mais intensamente, mesmo que não sejam jovens». Acabou por ser campeão nacional nas categorias faixa roxa e faixa azul e participar em dois campeonatos europeus, ficando entre os seis primeiros, num deles.
Disse-nos o mestre que «o jiu-jitsu é uma arte marcial que tem como finalidade dominar o adversário, obrigando-o a desistir. Procura-se levar a luta para o chão, onde se diluem as diferenças de estatura, de peso e de força. A família brasileira Gracie, que aprendeu esta arte marcial com um mestre japonês que acolheu, alterou-a de modo a compensar a sua fraca estatura em relação a muitos oponentes. Usa os princípios da alavanca», explicou.
Além disso, associa um estilo de vida saudável, com bons hábitos alimentares, permitindo uma maior longevidade ao atleta, quer este siga o caminho da competição, como o da simples manutenção física.
«Os primeiros anos são essenciais», confidenciou, «para aumentar o nível de confiança. Só depois as pessoas terão condições psicológicas para competir. Mas depende muito dos mestres. Há escolas que privilegiam a competição e outras que não», comparou.
Há três anos deixou de competir, tornando-se instrutor. «Cheguei a uma fase em que percebi que o Gracie jiu-jitsu traz tantas vantagens que a missão é espalhar a mensagem. Estou nessa fase de passagem de conhecimento», justificou
Questionado sobre qual o motivo do grande incremento no número de praticantes de artes marciais, nos últimos anos, Ângelo Fernandes acredita que, em grande medida, foi talvez devido à internacionalização à medietização dos combates MMA (Mixed Martial Arts). Os mais jovens associam a profissão de lutador a um estatuto social. Este mestre admite que há violência nestes torneios, «porque misturam técnicas de batimento com as de imobilização e estrangulamento. O jiu-jitsu, pelo contrário, não é violento. Usa técnicas de imobilização, estrangulamento e ataque às articulações. Permite o domínio sem agressão. É o domínio posicional que leva à desistência do adversário».
Por outro lado, o desejo de saber materializar uma defesa pessoal eficáz, num mundo cada vez mais desregrado e imprevisto, é outro dos motivos. «Por isso, há cada vez mais crianças, adolescentes e senhoras a juntar a componente desportiva a este tipo de artes marciais. Aos mais novos, passo essencialmente a mensagem do caminho do guerreiro, baseado em valores morais. Alguém que, desde tenra idade, esteja em contacto com esta tipo de atitude perante a vida, muito provavelmente mais tarde, na adolescência, quando se manifestam os comportamentos desviantes, não os virá a ter. Os que começam mais tarde e trazem consigo comportamentos menos adequados, facilmente verão desmoronadas as suas crenças, porque acabam por ser vencidos, nos treinos, por pessoas eventualmente mais fracas».
Ângelo Fernandes arrisca a traçar um paralelo com a sua profissão de psicólogo. «São papéis parecidos. O interesse nas artes marciais pode vir por falta de confiança, timidez, insegurança. Nós proporcionamos vinculação, espírito gregário, pertença ao grupo. São relações dinâmicas e muito gratificantes para quem está à frente».
Com três anos de existência, a academia passou de uma dezena de praticantes para mais de 30, nos últimos três meses, graças às instalações e horários proporcionados pelo Centro de Treinos de Portimão. Os leitores que desejem experimentar, grátis, podem reservar através do telemóvel 925 219 211 ou pela página do facebook: 5elements jiu-jitsu Portimão.