Conheci a dupla Serge e Fátima, um casal simpático com excelentes números de ilusionismo, em 1986. Durante cinco meses, assisti quinzenalmente às suas atuações. Tinham acabado de conquistar o Grande Prémio de Magia, na Figueira da Foz. Dez anos mais tarde, arrecadaram o título de «Mágico do Ano». Embora seja sempre o mágico a figurar como titular da condecoração, considero que a partner é um elemento indispensável para o sucesso da maioria dos truques apresentados ao público.
E é por essa razão que escrevo este artigo no plural. No dias de hoje, três décadas mais tarde, a propósito do festival «Abracadabra», que decorreu no Palácio de Congressos do Algarve, nos passados dias 16 e 17 de junho, vi que faziam parte do cartaz e revolvi ir ao seu encontro. Descobri que atuam com regularidade nos hotéis de Albufeira e também no circuito hoteleiro do sul de Espanha.
Eis que reencontro Sérgio de Almeida, sexagenário, com a graça e a mestria que lhe conheci aos 30 anos de idade. Infelizmente, a esposa sofreu um acidente, em 1990, e foi obrigada a deixar de trabalhar. Quem é, então, a Fátima atual? Nada mais, nada menos, do que a filha Marta, que toma o nome (artístico) da mãe durante as atuações! Mas recuemos um pouco mais no tempo. Sérgio de Almeida descobriu, quando tinha 8 ou 9 anos de idade, algumas notas brasileiras dentro de um livro. Os «Cruzeiros» tinham sido enviados por familiares que viviam no Brasil e que seu pai guardava religiosamente.
«Eu tinha visto o anúncio de uma revista brasileira de magia e pedi ao meu pai para me dar o dinheiro, pois queria responder, escrever uma carta a mandar vir a revista, porque queria ser mágico», recorda.
A revista chegou na volta do correio e o destinatário não ficou desiludido. Antes pelo contrário. «Mais tarde, aos 14 anos, fiz-me sócio do Clube Fenianos Portuenses, uma associação cultural e recreativa sem fins lucrativos e com estatuto de utilidade pública, fundada em 1907, que entre outras atividades, dedicava-se ao ilusionismo. «Tinha e ainda tem uma secção e uma escola de magia, onde os mágicos se reuniam aos fins de semana. Fui fazendo os meus trabalhos, viam e ajudavam. A partir de certa altura, fui andando sozinho», conta ao «barlavento». Assim, o mágico portuense ganhou a experiência para se iniciar a solo.
Escreveu também as rotinas para a esposa e começaram a trabalhar juntos, como profissionais, em 1982. Atuavam principalmente nos casinos do norte de Portugal, mas estiveram várias vezes no famoso Michael’s de Montechoro. Em 1985, surgiu um convite para o Casino de Vilamoura. Aceitaram e perceberam que havia todo um mercado promissor no Algarve, muito mais do que na sua região. Não perderam tempo. Contactaram vários hotéis alguns diretores apostaram neles. O suficiente para se radicarem no sul.
Desde então, os turistas nacionais e estrangeiros que passam férias em Albufeira conhecem-nos bem. A maioria dos algarvios, contudo, desconhece o trabalho que aqui têm vindo a desenvolver. «Criar um número de magia é como criar música ou um poema. Pode demorar algum tempo, mas também pode ser instantâneo. É uma questão de luz. A luz surge no momento, escreve-se e, depois, vai-se estudando os pormenores, até ficar bom» para o palco. «Há uma técnica para tudo e, depois, temos de vestir o número à nossa maneira: a música, as roupas, a coreografia. Há um trabalho de bastidores muito exaustivo», acrescenta. Tal como em qualquer outra profissão levada a sério, as ferramentas e os materiais podem ser muito caros, embora, alguns mágicos consigam conceber os próprios aparatos.
«Tenho alguns feitos por mim, e funcionam. Às vezes, até os mais caros têm de ser alterados, porque não funcionam». Um exemplo clássico? A «metamorfose», aquele truque clássico que envolve uma caixa e o saco, em que os protagonistas trocam de lugar como que por magia, a mudança não pode durar mais do que três segundos, para ter impacto no público. «A técnica para determinado truque é sempre a mesma. O modo de fazer e de apresentar é que varia de pessoa para pessoa. Há quem o faça de modo poético e quem o faça de maneira mais forte, para assustar. Mas é exatamente o mesmo», revela.
Questionado sobre a sua atuação, em que quase não fala, considera que «a magia é uma linguagem universal. Por isso, quando temos cinco ou seis nacionalidades a assistir ao espetáculo, como acontece nos hotéis do Algarve, o melhor é não usar a oralidade, porque fazê-lo em várias línguas roubaria ritmo e impacto. As crianças adoram a magia e gostam de vir ao palco ajudar o mágico».
«Se as pessoas vierem ver-nos para descobrir como se fazemos os truques, a verdade é que não vão conseguir apreciar o espetáculo, nem desvendar nada. A parte dos bastidores não é interessante para o público. O que interessa é a ilusão que se vai produzir, para levar o espetador para uma quinta dimensão, onde talvez possam esquecer as amarguras da vida». Será que, no futuro, iremos ver o genro de Sérgio tomar a sua posição e nome? Seria magia se tal acontecesse!