«Desde o 25 de abril de 1974 até à entrada na moeda única, Portugal cresceu à média de quatro por cento ao ano. Dá um crescimento real de 70 por cento (deduzido da inflação). Chegámos ao início do século XXI com uma dívida que acumulava 50 por cento do PIB. Daí para a frente, até hoje, crescemos à média de zero. E acumulámos uma dívida pública que passou para 131 por cento do PIB. Não é fácil encontrar um país no mundo com uma performance tão má», começou por explicar Rui Rio, ex-autarca do Porto, no Teatro Lethes, na passada quarta-feira, 15 de março.
Rui Rio defendeu ainda que o regime português está hoje obsoleto, o que encontra paralelismo com a história recente. Isto é, a Constituição da República tem hoje a mesma idade que, em 1974, tinha o documento herdado do Estado Novo (de 1933). «Estamos à espera que este regime, com o mesmo tempo que tinha o outro, consiga estar saudável e pujante. É que, ao fim de 41 anos, o outro estava podre e com a língua de fora. Deu-se-lhe um encontrão e ele caiu», metaforizou.
«A não ser que haja alguém nesta sala que ache que a política está mal, mas que a banca está bem, a justiça está bem, a comunicação social está bem, a distribuição da riqueza está bem, então, é só um problema político». «Mas eu acho que está tudo mal. E é algo que todos, a começar pelos partidos políticos que são filhos deste regime, deviam cuidar», ironizou.
A mensagem que o político do norte trouxe a Faro foi também a necessidade de se retomar o debate «sério» sobre a regionalização. E justificou porquê. «Eu votei contra em 1998 e fiz ativamente campanha contra a regionalização», na altura, enquanto secretário-geral do PSD. «Passaram 20 anos. O país evoluiu, tal como eu, e hoje tenho uma fotografia diferente da capacidade que o país tem para gerir os desequilíbrios regionais», disse.
Rui Rio acha que «as competências devem estar alocadas à escala onde melhor são desempenhadas», notando que «a qualidade do trabalho que foi feito pela administração local em prol das populações é notável». E que «quem arruinou o país, não foram as autarquias. Isso foi areia que atiraram aos olhos das pessoas há uns anos, procurando passar a responsabilidade para onde ela não está».
Assim, o ex-autarca concluiu a lógica de raciocínio: «o Estado Central, a última coisa que sabe fazer é reduzir. Está sempre a aumentar a despesa e o endividamento públicos. Temos de fazer um conjunto de pequenas e médias mudanças que nos deem uma fotografia diferente, que relancem a confiança que tínhamos no regime. Devemos seguir o princípio da subsidiariedade, aproximando o decisor dos problemas para conseguir estes objetivos: mais democracia, maior proximidade às pessoas e menos despesa pública. Aquilo que falta é conseguir que os partidos políticos se consigam entender em prol do interesse nacional, e consigam fazer despertar na sociedade um debate sobre estes temas, a começar pela possível regionalização», concluiu.
Por sua vez, o hematologista Álvaro Beleza procurou na História alguns suportes para a sua argumentação. «Fomos às especiarias da Índia e ao ouro do Brasil e depois gastámos tudo em palácios e conventos. Não construímos o país e não entrámos na revolução industrial. Chegámos ao 25 de Abril com um país ainda agrícola, que vivia da riqueza dos outros. Com a entrada na União Europeia descobrimos um novo poço sem fundo. Sem isso não teríamos construído as universidades, os centros de saúde, os hospitais, as autoestradas, grande parte das nossas infraestruturas», recordou. Mas «o homem é inteligente e uma prova da sua inteligência é a lei do menor esforço. Se temos o dinheiro fácil da Europa, juros baixos, vamos todos aos bancos buscar dinheiro. Depois tivemos a crise e o sofrimento que tivemos. E hoje temos uma Europa de cabeça perdida. Na Europa do norte, mais rica, temos populismo à Direita, no sul, mais pobre, mas mais cosmopolita, os populismos são à Esquerda», diagnosticou o médico.
«Há uma crise de união, não sabemos o que vai acontecer. Mas há uma coisa que, para mim, é clara. Já temos 40 anos de democracia, acho que temos de pensar nos próximos 40. Em Portugal falta um consenso político, uma estratégia. Penso que não é preciso grandes estudos» para a encontrar. «Somos um país atlântico e a comunidade lusófona, quanto a mim, é um polo estratégico, vital para o país. Deverá haver livre circulação de mercadorias, de comércio e de pessoas entre estes países de língua portuguesa» e fomentar a antiga aliança com o Reino Unido. Ainda segundo o médico, «temos de não aumentar a despesa pública nos próximos anos, conseguir crescimento económico que nos permita ter menos défice. E atrair investimento estrangeiro, com mais competitividade fiscal», defendeu Álvaro Beleza, que ajudou a instalar o laboratório de Saúde Pública Laura Ayres, entre Loulé e Faro.
A conferência contou com a moderação de Vitor Norinha, d’ O Jornal Económico.