Após o sucesso do primeiro barco-casa, o «Ilha da Culatra», e encorajado pelos clientes que garantiram uma ocupação de quase 100 por cento logo após ter sido lançado, e críticas muito positivas, Ricardo Badálo, 31 anos, resolveu investir mais 150 mil euros num outro maior e mais espaçoso.
Desta vez optou por uma embarcação adquirida em Espanha no ano passado, e transportada por terra (não tinha motores) para o estaleiro próprio da empresa marítimo-turística «Passeios Ria Formosa», na Fuzeta, onde foi remodelado.
O agora batizado «Barra Velha» tem um conforto superior a uma autocarravana topo-de-gama, com a vantagem de estar dentro de uma mais belas paisagens do Sotavento algarvio e uma das sete maravilhas de Portugal. Tem capacidade para 10 pessoas, com uma suite com casa de banho privativa, cozinha equipada, sala de jantar, lounge panorâmico e terraço para banhos de sol. Não há televisão, nem wifi para maximizar o descanso e o contacto com a natureza.
A embarcação é autónoma. É servida por painéis solares térmicos e fotovoltaicos. «Dá para usar a eletricidade disponível, mas não muito, assim como a água potável. Portanto, há aqui uma componente ecológica que obriga as pessoas a gerir os recursos», explica.
Os barcos-casa estão fundeados na zona da Barra Velha, que confere maior privacidade e conforto (menos ondulação) e também o acesso fácil às praias ao redor, onde só é possível ir de barco. «A praia está a apenas 20 metros. Há um pequeno semi–rígido a remos, com o qual os hóspedes se podem aventurar. Não há qualquer problema. Quando voltam, têm duche de água quente à espera», descreve. Por outro lado, «se quiserem ir jantar à Fuzeta, por exemplo, basta pedirem e temos serviço de táxi sempre disponível», sublinha.
Esta operação funcionará até final de novembro, e depois, recomeça em abril. Serve «um tipo de cliente que não quer ser perturbado. Quer privacidade e é autónomo. Tivemos um idoso alemão que passou quatro noites sozinho, com o seu livrinho e o seu chapéu de palha. Só no pediu para ir às compras. Nós estivemos sempre preocupados com ele, mas correu tudo bem e saiu daqui descansado».
Ricardo Badálo compara o nível do barco-casa a «um Vila Joya ou um Tivoli». A estadia custa 400 euros por noite. «Tentámos perceber quem aprecia a privacidade e o sossego que um serviço destes pode dar. Estamos a falar de banqueiros, de famosos, de pessoas com grandes cargos e altos níveis de stress. E que podem pagar. É um cliente que já não dá tanto valor às cervejas e à vida noturna, que já frequenta o Algarve, mas está agora a descobrir» a possibilidade de pernoitar em plena Ria Formosa.
«Isto é já feito no Alqueva, onde as pessoas podem navegar o barco. Aqui não podem porque a Ria está cheia de bancos de areia e os canais não estão sinalizados. Há sempre o perigo das marés e das correntes. É muito difícil a navegação para quem não conhece. Não há cartas, os canais estão sempre a modificar-se», compara.
A relação com as autoridades? «Tudo é difícil começar. Este projeto teve dois anos de estudo, de aprovações, teve de superar muitos obstáculos. Felizmente, conseguimos demonstrar que não é invasivo» à várias entidades oficiais com tutela sobre este território. Todas as águas residuais vão para um tanque próprio e não há qualquer fonte de poluição para o meio ambiente.
A booking é o maior parceiro do projeto. E a plataforma própria da empresa também angaria as reservas diretas dos clientes. A aceitação divide-se ao meio, entre portugueses e estrangeiros. «O que sentimos é que as pessoas reservam alguns dias em hotéis tradicionais e ficam connosco no barco-caso nas últimas duas ou três noites da estadia». Ou seja, há uma tendência de diversificar a experiência no Algarve, pelo que esta oferta acaba por ser um atrativo complementar.
O cliente faz o check-in às 16 horas, passa a noite no barco e no outro dia faz check-out até ao meio-dia. O mínimo é um noite, e a partir daí pode reservar quantas quiser. Tem que trazer a sua comida, é como se fosse um apartamento. A única coisa que fornecemos são laranjas e gelo no frigorífico».
No entanto há quem opte por ter a bordo um chef, de um dos restaurantes locais parceiros, que vem a bordo cozinhar e servir um churrasco, uma cataplana, ou até, uma noite de sushi. «E pode solicitar que lhe tragam o pequeno-almoço. Também é possível juntar à estadia, uma das várias atividades, da pesca desportiva à observação de golfinhos» da empresa. Ricardo Badálo quer aumentar a frota até cinco barcos-casa, ao longo dos próximos cinco anos.
Aposta na cultura local
A «Passeios Ria Formosa» é uma empresa que opera uma frota de 18 barcos. «somos cerca de 50 pessoas a trabalhar de verão, metade no inverno, mantemos a operação durante todo o ano. É isso que estamos a construir há oito anos. Temos a sede na Fuzeta, temos posto de vendas e barcos em Olhão, Santa Luzia, e em Cabanas de Tavira», explica Ricardo Badálo, responsável por esta marítimo-turística.
«Isto tem a ver com a minha infância. Sou natural da Fuzeta, toda a vida andei em barquinhos à vela. E o que mais me dava entusiasmo era pegar no barco e fazer a minha voltinha sossegado, tranquilo no espaço lagunar, onde poucos passam, tranquilo. Mais tarde, comecei a dormir em veleiros na zona da Barra Velha. No fundo, o que eu tento fazer na empresa é dar continuidade aqueles pequenos momentos que fui habituado, aquelas experiências que só as pessoas da terra podem dar e transmitir. Por exemplo, a observação de cavalos-marinhos. Desde criança que sei onde estão, o meu avô ensinou-me a apanhar o polvo, o lingueirão, os olho das ameijoas. Se mostrar isto aos meus clientes, vão ficar surpreendidos. Este fator da cultura local é importante para nós».
Barcos-casa preparados em estaleiro próprio na Fuzeta
Ricardo Badálo, 31 anos, é arquiteto, formado no ISMAT, em Portimão. Não exerce a profissão, no entanto, o conhecimento «permitiu-me redesenhar» o espaço interior com o contributo de vários players próximos à empresa que deram dicas. «Todas as nossas embarcações são completamente reconstruídas. O estaleiro pertence ao meu pai, Francisco Badálo, que fazia barcos de pesca. Infelizmente com a crise, acabaram com os subsídios para a renovação das frotas. E portanto teve de se adequar ao mercado. O objetivo é mantê-lo vivo». Estes «são barcos adaptados à Ria Formosa, de casco chato e liso, sem grandes quilhas por causa dos baixios. Conseguimos flutuar com meio metro de profundidade».
Brio é aspeto diferenciador da «Passeios Ria Formosa»
A empresa «Passeios Ria Formosa» tem o próprio estaleiro de reparação naval na Fuzeta, que permite manter a frota impecável. «Além da construção para fora, no inverno recolhemos todos os barcos para serem pintados e reparados. O nosso objetivo é que no início de cada época, as embarcações estejam limpas, bonitas e adequadas ao preço que cobramos. Para conseguirmos sobreviver, temos de ter brio. Infelizmente, o Turismo do Algarve abriu portas a qualquer privado que queira criar uma empresa marítimo-turística e entrar no mercado. O que acontece é que nós trabalhamos o ano inteiro e temos um produto a defender. Os outros não. Trabalham dois meses, fecham portas e têm outros trabalhos. O problema é que isto vai diminuir a qualidade do serviço prestado e uma baixa de preços. O cliente em vez de optar por uma empresa que combate a sazonalidade, escolhe uma mais barata. Esta é a grande dificuldade que temos agora. Enquanto mantivermos a qualidade, mantemos um fator de distanciamento»