Foi a última (e emocionada) vez que António Branco usou da palavra na qualidade de reitor da Universidade do Algarve. Mas antes de passar o testemunho ao sucessor, fez questão de reafirmar confiança naquele que é talvez o maior handicap da academia algarvia: ter em simultâneo, ensino politécnico e universitário.
«Acredito nos enormes benefícios da paridade entre os dois subsistemas, numa instituição, numa região e num país que não podem desperdiçar o seu potencial, para melhor servir o desenvolvimento civilizacional do mundo em que vivemos», afirmou.
«Quero manifestar a minha profunda comoção e alegria pelo momento que estamos a viver – e que inaugura o quarto ciclo da História desta Universidade, colocando-nos definitivamente no século XXI e na vanguarda do tipo de respostas que todos teremos de ser capazes de dar à exigência do tempo que vivemos em Portugal, na Europa e no Mundo. É esse tipo de resposta que a Universidade do Algarve exemplarmente dá hoje e que se resume a isto: conjugação de esforços, em vez de separação; integração em vez de desagregação», sublinhou perante casa cheia.
António Branco agradeceu ainda à equipa que o acompanhou ao longo dos últimos quatro anos e fez questão de recomendar o seu sucessor, Paulo Águas.
«De entre as suas muitas qualidades, destacarei aquelas que me parecem mais importantes para o exigente exercício que tem pela frente: a sua integridade ética e moral; um infindável amor à Universidade, que serve lealmente há muitos anos com verdadeiro espírito de missão; um profundo e integrado conhecimento da instituição e da sua História, mas também da região e da rede de Ensino Superior Público; uma incapacidade orgânica de aceitar o derrotismo, por ser estruturalmente otimista e por acreditar que trabalhando muito e bem se superam todos os obstáculos; um sentido de justiça muito apurado; e, finalmente, uma franqueza e uma liberdade raras, associadas a uma notável capacidade de ouvir e decidir. Foi uma honra tê-lo tido como companheiro desta viagem que hoje termina. Será uma honra tê-lo como reitor», concluiu.
Destino da UAlg será fruto do «desempenho coletivo»
No discurso na tomada de posse, Paulo Águas, o novo reitor, reafirmou o mote que marcará a sua ação. «Promover a sustentabilidade através da inovação e da inclusão, no ensino e na investigação, num clima de proximidade, constituirá o elemento inspirador para o caminho a trilhar nos próximos quatro anos». No entanto, e mais uma vez, deixou claro que «o desempenho da Universidade do Algarve será sempre o resultado do nosso desempenho coletivo. Somos uma instituição profundamente marcada, e ainda bem, pela presença das pessoas, o que constitui a nossa maior riqueza».
Para o próximo quadriénio, a meta «será a crescente afirmação da instituição. Isso passa pela expansão da nossa cadeia de valor, cujas atividades primárias são o ensino, a investigação e transferência [de conhecimento], e as relações com a comunidade. Iremos trabalhar para aumentar o número de estudantes e de diplomados, com maior crescimento nos alunos estrangeiros, e para aumentar os indicadores, sobretudo os níveis de financiamento e de produção científica, num contexto de crescente permeabilidade com o meio envolvente».
Também como já tinha afirmado após logo após ter sido eleito, Paulo Águas reafirmou o desejo de fazer um périplo empresarial pela região. «Serão visitadas empresas com as quais temos vindo a desenvolver projetos para apresentação dos resultados alcançados e identificação de projetos futuros, assim como empresas com as quais ainda não temos vindo a trabalhar mas que poderemos vir a fazê-lo no futuro».
O novo reitor deixou ainda uma nota em relação ao já bem conhecido subfinanciamento da academia. «Uma última nota para a necessidade de eliminação de desigualdades no financiamento, que se relacionam com o acesso a fundos geridos pelas comissões de coordenação regionais. Dois exemplos. Não podemos ter Cursos Técnicos Superiores Profissionais com acesso a financiamento para equipamento e outros sem acesso. Não podemos ter projetos de índole nacional (como o projeto U-Bike que visa promover a mobilidade suave, em particular a bicicleta, nas comunidades académicas, ao qual não aderimos), em que o esforço financeiro exigido às instituições de ensino superior é diferenciado consoante a região em que se localizam. É da mais elementar justiça que sejam encontradas medidas compensatórias para aquelas cujos fundos comunitários obedecem a regras diferentes».
Rodrigo Teixeira pediu mais ação social
«Não podia vir para este púlpito, sem abordar a questão central no momento para os estudantes da Universidade do Algarve: o problema crescente da falta de oferta de arrendamento em Faro. Se é verdade que o número de estudantes nacionais e internacionais da Universidade está a aumentar, também não é menos verdade referir que o número de quartos a arrendar em Faro está a diminuir drasticamente.Com a falta de oferta, a especulação imobiliária acentua-se, aumentando os preços dos quartos aos estudantes, em suma, tornando cada vez mais difícil a situação para os estudantes que querem Estudar Onde é Bom Viver», disse perante uma audiência cheia Rodrigo Teixeira, presidente da Associação Académica da Universidade do Algarve.
«Por proposta das Federações e Associações Académicas e de Estudantes, foi incluída a proposta no Orçamento de Estado de 2018, o facto de as rendas dos estudantes poderem ser colocadas no IRS, no Setor Educação. Sendo que o limite máximo aumentou de 800 euros para 900 euros, esta medida é manifestamente insuficiente, uma vez que os 900 euros de teto máximo apenas chegam para colocar o valor de propinas anual. É necessária uma ação urgente e firme por parte dos agentes locais e nacionais – a reitoria, Câmara Municipal de Faro e governo devem encontrar medidas para combater este problema», lembrou o dirigente, que representa um universo de quase 8 mil estudantes.
Referindo-se a António Branco, Rodrigo Teixeira sublinhou que «deixa a criação do Regulamento de Fundo de Ação Social, que irá apoiar mais eficazmente os estudantes carenciados, de forma a combater o abandono escolar e a tornar o ensino superior cada vez mais acessível a todos, independentemente da sua condição socioeconómica».
Já a Paulo Águas, «em nome dos estudantes desejo-lhe os maiores sucessos no desempenho das funções. Estou convicto que será bem-sucedido, e sei que sabe que os estudantes serão aliados nas reivindicações junto da tutela. Mas certamente também contará com espírito crítico na resolução de questões internas».
Vítor Neto quer ultrapassar «incompreensões dos poderes centrais»
Conforme os estatutos, coube a Vítor Neto, presidente do conselho geral da UAlg, dar posse ao novo reitor Paulo Águas e à nova equipa reitoral. A partir de hoje serão vice-reitores, os professores Saúl Neves de Jesus, Ana de Freitas e Alexandra Teodósio. Serão ainda pró-reitores Maribela Pestana e João Rodrigues.
Apesar de desempenhar o cargo há poucos meses [desde 19 de junho], o empresário, dirigente associativo e ex-secretário de Estado do Turismo, fez questão de sublinhar no seu discurso que «o Algarve tem muito orgulho nesta sua universidade, pela qualidade do ensino e pela a formação qualificada de milhares de jovens que estimulam o progresso da região e da sua economia. Pelo conhecimento que gera e a investigação inovadora que desenvolve. Pela importante estratégia de internacionalização. Tudo isto só é possível porque pode contar com professores competentes, pessoal dedicado, alunos que pensam e acreditam no futuro. Esta universidade prestigia a Região. A economia, as empresas, os municípios, a sociedade têm beneficiado muito com o seu importante trabalho que deve ser mais conhecido», frisou.
No entender de Vítor Neto, quer o conselho geral, que a própria academia, «devem agir em duas direções. Em relação à universidade, penso que é preciso ultrapassar obstáculos, ultrapassar o quadro de dificuldades, constrangimentos financeiros, incompreensões dos poderes centrais, que a UAlg tem sofrido ao longo de anos e que limitaram a sua função e o seu papel na região», sublinhou.
«O conselho geral e o seu presidente, devem dar o seu contributo apoiando os esforços da nova equipa dirigente para ultrapassar o subfinanciamento, melhorar a gestão de recursos, reforçar as condições de trabalho que permitam uma melhor intervenção – no ensino, na investigação, na internacionalização – nos diferentes sistemas e em todas as unidades orgânicas», afirmou.
Vitor Neto, perante a plateia onde estavam alguns dos principais decisores do poder local, considerou que «é preciso pensar, conhecer e afirmar Algarve, que hoje mais que nunca, precisa desta universidade na sociedade. Temos problemas, desequilíbrios estruturais na nossa economia. Por um lado, temos um turismo forte – o que é importantíssimo para a região e dá um contributo excecional para a economia nacional – mas que também ele vai estar sujeito aos desafios de uma evolução complexa, incerta», disse.
«Apesar de alguns progressos, o Algarve não está a utilizar suficientemente recursos endógenos que podiam estimular importantes atividades económicas – ligadas à terra e ao mar – fazendo o que já soube fazer e usando com inteligência a inovação e estimulando a iniciativa empresarial e o interesse dos jovens. A universidade pela sua competência e pelo seu prestígio institucional pode ter aqui um papel decisivo. Pode ser o dinamizador desse processo em toda a região, chamando à colaboração, as empresas e os empresários e suas associações, as escolas e os estudantes, os intelectuais, as autarquias, os organismos regionais, os cidadãos. É dever de todos os que constituem esta prestigiada casa – professores, estudantes, funcionários – e os seus órgãos institucionais – unirem esforços e lutarem para o conseguir».
Funcionários não-docentes anteveem universidades do futuro
Maria João Barradas, representante dos funcionários não-docentes, antes de citar um poema de Mário de Sá Carneiro, centrou a sua clarividente intervenção na experiência de 25 anos de casa.
«Passaram num ápice. Esperam-nos outros desafios, mas já estamos habituados a desafios, numa universidade construída a partir do nada, de uma ideia apenas, por algumas, poucas, gerações de docentes, de alunos, de funcionários. Antevejo, como muitos defendem, currículos mais flexíveis, em que os cursos associem o ensino das artes, das ciências sociais e das ciências exatas. E maior mobilidade para alunos, docentes e para o staff; a mobilidade e a flexibilidade serão decerto as marcas da educação superior no futuro».
«A revolução tecnológica vivida na atualidade e a forma como se traduz em novos ambientes educacionais e em novas práticas educativas. Chegaremos dentro de alguns anos a um momento, em que rejeitaremos completamente o método de aprendizagem tradicional, com aulas formais, palestras, consultas árduas, provas e professores tradicionais. A formação universitária envolverá decerto muito mais a pesquisa, o pensamento, a seleção de informação, a sua compreensão e aplicação. Com novos métodos pedagógicos, os alunos, nas mais diversas áreas, trabalharão em projetos de equipas multidisciplinares e tentarão solucionar problemas que continuam a não ter ainda respostas claras nas áreas das energias; água; alimentação; cuidados de saúde; preservação do ambiente e erradicação da pobreza. As universidades do futuro serão tudo isto e muito mais», anteviu.