Não é um internamento psiquiátrico comum e convencional. É voluntário, para maiores de 17 anos, com baixo risco de violência heterodirigida. Envolve um programa meditativo chamado «Believe» (acreditar). Surge da experiência e da prática de Cristina Miguel, 38 anos, médica psiquiatra, e de La Salete Santos, 50 anos, psicóloga clínica, que encaram os problemas «como oportunidades de crescimento pessoal».
«Quisemos criar uma unidade onde as pessoas pudessem parar, iniciar um processo de autoconhecimento, identificar as suas vulnerabilidades psicológicas e trabalhá-las. Tudo foi pensado para aumentar a consciência da pessoa sobre si mesma, sobre os seus processos mentais e apresentar-lhe novos caminhos para alcançar bem-estar, equilíbrio e mais resiliência. Neste projeto, privilegiamos a meditação, a terapia de grupo e a hipnose clínica como meio para atingir este fim», explica Cristina Miguel ao «barlavento».
Por definição, é composto por 12 sessões distintas, ministradas diariamente, ao longo de duas semanas de internamento, sendo a duração variável e pensada caso a caso.
Está indicado para casos de depressão e ansiedade, perturbações obsessivo-compulsivas, pós-stress traumático, fobia social, pânico ou ansiedade generalizada, síndrome de burnout (esgotamento profissional), distúrbios de personalidade e comportamento como a impulsividade, automutilação, ideação e comportamentos suicidas, algumas adições e perturbações alimentares.
Tudo começa por «avaliar o paciente e perceber o que é que conduziu aos sintomas. Como é que o seu quadro clínico evoluiu», descreve Cristina Miguel. O paciente pode chegar à unidade referenciado pelo médico de família, sinalizado nas urgências hospitalares (em casos agudos), pelos familiares, ou até vir pelo próprio pé.
«Esta unidade de internamento recebe todos os casos, menos situações de grave agitação, descompensação psicótica ou pacientes com grande dependência física e mobilidade muito reduzida. Mas às vezes basta o afastamento do ambiente que provoca o sofrimento», acrescenta La Salete Santos, responsável pelo acompanhamento psicológico individual no internamento.
E «é isso que muitos vezes falta, até a pessoas altamente exigentes e perfecionistas. Um corte com o dia a dia que elas próprias não se permitem fazer. Acham que não podem, que não devem, que têm muitas responsabilidades a atender. E sentem uma sobrecarga cada vez maior», continua.
O diagnóstico estende-se além da história psiquiátrica convencional, importante para o tratamento e prognóstico. «Procuramos entender quais as crenças, hábitos, medos, inseguranças e que dificuldades emocionais estão a colocar a pessoa em maior fragilidade perante a vida. Que traumas experienciou? Quais as perdas que sofreu? Que adversidades ou injustiças a oprimem?», explica Cristina Miguel.
Hipnose clínica implementa rotinas
Uma vez internado numas das 10 camas disponíveis, o paciente segue uma rotina. «Não é uma terapia em que a pessoa chega, é hipnotizada, fica 15 dias em transe, e depois sai e é um super-homem ou super-mulher para enfrentar a vida», descreve a psiquiatra.
Na prática, ao longo dos dias, passará por várias terapêuticas, individuais e em grupo. As sessões de hipnose, ou «estados de concentração elevada» são realizadas com recurso a áudios mediativos originais, desenvolvidos por Cristina Miguel e La Salete Santos. «As meditações recorrem a metáforas que convidam à reflexão e contêm sugestões, alusivas aos conteúdos programáticos do programa, convidando por vezes à regressão a eventos de vida significativos», explicam.
Ao escutá-las com atenção, «a pessoa é convidada a imaginar e a envolver-se em dinâmicas mentais que podem ajudá-la a trabalhar o seu inconsciente. O que fazemos é, convidar a pessoa a entrar num estado de atenção altamente focada, que pode ou não acompanhar-se por relaxamento, e assim, pode tomar consciência e trabalhar crenças, memórias emocionais e eventos que por alguma razão o vulnerabilizam. O inconsciente reage a esta dinâmica simbólica e imaginativa», explica Cristina Miguel.
O programa meditativo «Believe» é em grupo, mas «pode haver sessões individuais de hipnose, desde que o paciente sinta a necessidade de ter esse complemento e que nós consideremos uma mais-valia», acrescenta La Salete Santos.
«Há uma meditação matinal que convida a criar o hábito diário de definir metas, de se sentir grato, e de contribuir. Acreditamos poder ajudar a pessoa a não estar tão focada nos seus problemas», acrescenta a psicóloga.
O objetivo é interiorizar ferramentas que serão úteis depois da alta clínica. «O mais significativo é que os pacientes mantenham em prática recursos e estratégias que foram aqui aprendidos. A ideia é capacitar, trabalhar o filtro mental perante tudo aquilo que lidam, que enfrentam e encaram. Para que desta forma as emoções menos positivas não sejam um fator de stresse suficiente para despoletar uma recaída», resume a psiquiatra Cristina Miguel.
«Queremos que a pessoa faça aprendizagens. Que não se sinta uma vítima da doença, dos outros e da vida, mas que de alguma forma, no final do processo, aprenda que houve um sentido e um propósito para as experiências que enfrentou».
«Nós não estamos aqui para ditar caminhos a ninguém. Cada um tem de descobrir o seu. Ajudamos a pensar as hipóteses, mas quem vai escolher são as pessoas, nunca nós», finaliza Lasalete Santos, responsável pelo protocolo da terapia de grupo. «Para ajudar quem nos procura não podemos ser esponjas. Procuramos ser canais que filtram aquilo que nos trazem para devolver mais consciência e apresentar caminhos possíveis para resolver o problema», conclui a psiquiatra.
Saúde mental ainda é muito estigmatizada
O preconceito que a psiquiatria e a saúde mental são o parente pobre da medicina ainda hoje persiste. «A nossa visão é diferente. Acreditamos que as crises de vida que levam as pessoas a ter sintomas de depressão ou ansiedade, se traduzem em oportunidades de crescimento interior. Fazem com que tenham de mergulhar dentro de si próprias para entender porque é que estão assim. Que formas de pensar ou que padrões de comportamento a conduziram a isso?», garante a médica psiquiatra Cristina Miguel. No entanto, «até conseguirmos mudar este paradigma», a confidencialidade e a privacidade dos pacientes é uma prioridade. «Há figuras públicas que querem tratar-se num ambiente onde sabem que a sua a vida privada não será invadida», diz a psicóloga La Salete Santos, sendo São Brás de Alportel um refúgio ideal para recuperar a saúde. «Infelizmente, ainda não se percebeu que estes problemas não têm a ver com a força psicológica. Basta a vida presentear qualquer um de nós com circunstâncias que colocam aquilo que mais valorizamos em causa, e está aberto o caminho para a depressão», reforça Cristina Miguel. «É claro há quem nasça com uma herança ingrata, tal como outros nascem com uma predisposição para a diabetes, ou para a hipertensão. Mas ninguém está preparado para tudo. Quem tem o estigma e o preconceito esquece-se que também lhe pode acontecer», finaliza.
«Não somos o nosso sucesso»
Imagine-se, por exemplo, estudantes universitários que na ânsia de atingir «boas notas» perdem a noção dos limites e chegam à exaustão. Ou, mais comum, figuras públicas e empresários que, habituados ao sucesso, subitamente se confrontam com o fracasso. «Esta experiência inesperada pode reativar uma crença até aí quiescente: eu não sou capaz. Este estado de desvalor pessoal pode ser tão perturbador a nível emocional que leva à depressão. Assistimos a isso em pessoas que toda a vida tiveram êxito. Sempre acreditaram que o seu valor pessoal é espelhado nos resultados que alcançam. Somos levados a acreditar que sim, não é?», questiona Cristina Miguel, médica psiquiatra e responsável pela direção clínica da Unidade Believe, na Clínica Particular SIIPEMOR do Grupo HPA, em São Brás de Alportel.
«Pergunto: será que alguém controla todas as variáveis? A única coisa que de facto controlamos na vida são as decisões que tomamos. E partir destas, os recursos que ativamos para pôr em movimento as iniciativas que consideramos necessárias para atingir a meta a que nos propomos. O turbilhão de variáveis que podem surgir e alterar tudo, nós não controlamos. Este padrão de pensamento que o meu valor pessoal está dependente do resultado que eu alcanço conduz muita gente à doença».
«Não seria bem diferente se acreditássemos que somos sempre vitoriosos quando damos o nosso melhor, respeitando o nosso equilíbrio, independentemente do resultado ser ou não positivo. Não será mais saudável acreditar que podemos crescer com os nossos resultados negativos? Ou talvez mais importante ainda, desenvolver a aceitação daquilo que não está nas nossas mãos alcançar naquele momento, ficarmos em paz connosco mesmos e jamais questionarmos o nosso valor nestas circunstâncias?”, contrapõe a médica psiquiatra.
Idealização suicida é sinal de alarme
No trabalho diário, La Salete Santos, psicóloga clínica e Cristina Miguel, médica psiquiatra, seguem muitos casos de ideação suicida passiva. «É um estado contemplativo. A pessoa tem ideias de morte, pensa nela como um escape, uma saída, até sentir-se incomodada com o desconforto das ideias frequentes que se apresentam como uma solução para os problemas. Desistir da vida enquanto há insigh, é assustador. É uma das razões que as traz cá. Percebem que a situação é muito grave. E se não forem ajudadas, isso poderá mesmo acontecer», alerta La Salete Santos. Por outro lado, segundo Cristina Miguel, «as depressões associadas à insónia e a níveis de ansiedade, são muitas vezes acompanhadas ideias de suicídio» às quais é necessário estar atento.
«A dor e o sofrimento mudam tudo», até o ceticismo
Questionada sobre o que leva alguém procurar o programa «Believe», a médica psiquiatra Cristina Miguel responde com base na sua bagagem profissional: «a dor e o sofrimento. Todos nós seres humanos somos avessos à mudança. Agora, o que leva a procurar o psicólogo ou o psiquiatra é sentir que chegou o ponto em que não dá mais. A tolerância ao stresse e à frustração já ultrapassou os limites», explica. «Muita gente está aberta e quer algo diferente. Há quem já tenha tomado medicação, ou feito vários tipos de terapias que não surtiram efeitos». Mesmo para quem não tem problemas de saúde mental, Cristina Miguel desaconselha o ceticismo e justifica: «considero ser um fator vulnerabilizante ter uma mente fechada e rígida. Ao acreditarmos em algumas ideias que achamos que são verdades absolutas, podemos estar a preservar em nós padrões de pensamento que são altamente desvantajosos ao nível emocional. E muitas vezes a vida vem provar o contrário».
«A revolta adoece»
Para a médica psiquiatra Cristina Miguel, também o sentimento de injustiça «gera um estado de revolta, de mal-estar, de descontentamento, de irritabilidade permanente». E o que acontece quando lutamos contra algo que não está nas nossas mãos mudar? «Se não conseguirmos desenvolver a capacidade de aceitar que temos limites e limitações, e que, talvez, o crescimento esteja na capacidade de apaziguar essa frustração, então, podemos adoecer, com depressão ou até com doenças físicas. Não se trata de desistir perante a injustiça. Aceitar é algo muito diferente. É um estado de consciência sobre até onde nos é possível ir, no qual decidimos preservar a nossa saúde e o nosso equilíbrio, sem desgaste adicional inútil. Aceitar é um ato de autocompaixão, de respeito por nós mesmos e um forte indicador da nossa resiliência e maturidade. A revolta leva a bater insistentemente com a cabeça na parede, na busca vã de justiça, até se esgotar a energia. E depois, tornamo-nos vítimas da parede», metaforiza.